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Posts Tagged ‘luneta’

planetas

Ela acordou não acreditando que já era manhã. Se eu pudesse quebraria o relógio, só pra parar o tempo. A luz do Sol entrava pela fresta da porta, batia na cara como uma velha inimiga. Se eu pudesse furaria os olhos, só pra que a luz fosse em vão. O estomago doía, o sentia vazio. Sentia vazio também o peito. O quarto foi se esvaziando aos poucos: se foi o berço, se foram os brinquedos, se foram os livros, se foram os sonhos. Do guarda-roupa até os monstros se foram. Invadiram-lhe a cabeça. Na vida, mil perguntas a atormentavam, a pior delas: acordar ou não? Lutava fraca pra abrir os olhos. A secreção cortinava o secreto. Sabe, amor, seus olhos são um par de mistérios. A dor debatia no estômago, a alma levita morta no vazio de um infinito imenso do seu corpo. Imaginava-se num jardim de tulipas brancas, gostava de tulipas brancas. Deram-lhe as mais brancas margaridas, mas eram margaridas. Guardou tanto segredo quando havia a quem contasse e, agora, no seu quarto, as paredes se fazem surdas. Na boca um gosto de passado. A língua, sem saliva de tanto ter quem os seus beijos desejasse. Os dentes pálidos de tanto sorrir. Seu sorriso transmite paz, nunca perca esse sorriso. Onde foi que o deixei? Naquele oceano, uma gota de sangue o faria vermelho. É tudo ou nada. Agora, sim, acordou. Sentia-se envolta por uma fina linha de ouro, repousada numa folha verdinha, e se contorcia de dor. Era obrigada a ficar intacta – a dor a ameaçava. Seus delírios a dominavam. Tentava se elucidar, mas o corpo atolava com tanta lama. Sentia-se pesada. Queria virar pro outro lado. Estava presa num sono ilusório. Sonhava um dia dormir em paz. Sua vida era um pesadelo. Leu todos os livros, jamais desejou tê-los escrito. Iniciou muitos diários, não passava do terceiro dia, pedia desculpas. Não teria coragem de registrar seus segredos, bastava que ela mesma os soubesse. Um dia recebeu um abraço. Sentiu a voz dele trêmula, bem próxima do seu ouvido, sentiu o coração dele batendo nervoso no seu peito. Constatou a desarmonia mais aflita depois daquele sorriso satisfeito, se despedindo. Aquela foi uma viagem rápida. E aquele abraço, os segundos teimavam em se arrastar, como uma mula. Teve pena, mas não conseguia contar que o que ele sentia era um engano. Calada, sorria forçada, tentava disfarçar, se foi calada. Ele a estava esperando. Olhava na direção que ela não viria. Se ela pudesse o tocar, chegaria devagar, cobriria com as mãos os seus olhos, ficaria calada. Ele saberia que era ela, só poderia ser ela. Um dia ela quis abrir os olhos dele. Pra ver um planeta, que é tão grande e distante, é preciso uma luneta. Pra ver uma bactéria, que é tão pequena e próxima, é preciso um microscópio. Nossos espaços são eqüidistantes, então venha você a mim. Pequeno ou grande, seu sonho cabe nos seus olhos, basta escolher: microscópio ou luneta. Negou todos os beijos presentes. Queria mesmo era beijar o Sol. Ele viria até ela montado num cometa.

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